Comandantes militares se metem em assunto que não deveriam
Há duas semanas, a Folha de São Paulo divulgou que, em vídeoconferência para oficiais temporários da reserva, o comandante do Exército, General Eduardo Villas Bôas, afirmou que há risco de a atual crise política e econômica se tornar uma crise social que afetaria a estabilidade no país. Segundo ele, nesse caso, a crise passaria a dizer respeito diretamente ao Exército.
Já segundo informação dada em primeira mão por um colunista do jornal Zero Hora, e replicada por outros veículos de imprensa recentemente, o comandante militar do sul, General Antonio Hamilton Martins Mourão, em palestra no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva, fez duras críticas à classe política e convocou os presentes para “o despertar de uma luta patriótica”.
Sobre a presidente Dilma, o general afirmou que “a mera substituição da Presidente da República não trará mudança significativa no 'status quo'; a vantagem da mudança seria o desgaste da incompetência, má gestão e corrupção”.
No início do ano, oficiais da reserva do Clube Militar já haviam se manifestado sobre a conjuntura política, afirmando que os militares estavam preparados para intervir se assim fosse necessário. Mas é a primeira vez que vêm a público declarações nesse sentido de generais da ativa, ainda mais comandantes das tropas do Exército. São fatos graves, e não podem ser tratados com desdém. Em uma democracia, não é papel de comandantes militares se imiscuirem nos assuntos da política interna, ou se apresentarem como lideranças de uma saída para a crise. O Brasil já pagou muito caro por isso. Não se pode dar nenhuma margem para um retrocesso nesse sentido. Que os generais tenham suas opiniões sobre a conjuntura política é plenamente legítimo. Mas que façam em sua condição de comandante de tropas proselitismo de “saídas patrióticas” ou abordagens sobre o ativismo das Forças Armadas no cenário de crise política em eventos oficiais do Exército é inadmissível.
Não existe hoje no Brasil clima para quarteladas. Mas não se pode deixar chocar impunemente o ovo da serpente. A Presidente, como chefe máxima das Forças Armadas, deveria agir com rigor para debelar atitudes como estas. Mas parece faltar-lhe força para isso neste momento.
Aliás, em mais de doze anos de governos petistas no Planalto, nada se fez para rediscutir a estrutura e o papel das Forças Armadas no país, nem tampouco a formação de seus oficiais. A ponto de, há pouco tempo, o General ditador Médici ter sido escolhido patrono de uma turma na Academia das Agulhas Negras.
Há que se integrar as Forças Armadas em um projeto de desenvolvimento do país, atribuindo-lhes funções centrais na defesa externa, no desenvolvimento tecnológico e na preservação de nossa vasta diversidade ambiental e de nossos recursos naturais. E democratizar sua estrutura e o currículo de suas escolas de formação. Para que a herança autoritária e a ausência de diretrizes sejam superadas, e desapareça o risco de os comandantes militares se meterem em assuntos que, em uma democracia, não lhes dizem respeito.