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Os dois lados do debate sobre as contas públicas no Brasil: reformas necessárias na despesa e na re

Há hoje um diálogo de surdos no debate econômico no Brasil.


De um lado, economistas ditos ortodoxos bradam sobre a necessidade de rever a estrutura de gastos públicos, defendendo desvinculações, desindexações e reforma previdenciária. Privilegiam a discussão sob a ótica da despesa. Em relação à receita, apenas reclamam da carga tributária.


De outro lado, economistas ditos heterodoxos agitam a bandeira de uma reforma tributária progressiva, que taxe os mais ricos e desonere os mais pobres. Defendem a taxação de grandes fortunas, o imposto sobre lucros e dividendos das empresas, a ampliação do número de faixas do Imposto de Renda e a redução de impostos indiretos, que incidem sobre o consumo. Privilegiam a discussão sob a ótica da receita.


Um lado bate na tecla da despesa, e não emite opinião sobre o que o outro diz sobre a receita. O outro martela na questão da receita, e se abstém de comentar os argumentos do outro sobre a despesa.


Essa foi a tônica, por exemplo, do debate organizado recentemente pela Ação Crítica, com os economistas Fabio Giambiaggi e Pedro Paulo Zahluth Bastos.


Mas não haverá nenhuma síntese possível entre as duas posições?


Nós da Ação Crítica acreditamos que sim.


De fato, a atual estrutura tributária brasileira é escandalosamente regressiva. Quem ganha menos é sobretaxado, enquanto quem ganha mais paga, proporcionalmente, uma quantia muito menor em impostos. Dados da receita federal mostram que, em 2013, do total de rendimentos da faixa que recebe acima de 160 salários mínimos mensais (0,3% dos declarantes de Imposto de Renda, ou cerca de 71 mil pessoas), 35% foram tributados. Já na faixa dos que recebem de 3 a 5 salários, por exemplo, mais de 90% da renda foram alvo de pagamento de imposto. Criar pelo menos mais duas faixas do Imposto de Renda (por exemplo, uma de 35% e outra de 50%), para ampliar o percentual taxado na renda do topo da pirâmide social, e voltar a taxar lucros e dividendos distribuídos pelas empresas são medidas imprescindíveis de uma urgente reforma tributária. Pode-se adicionar a essas medidas ainda a taxação de grandes fortunas e a nacionalização do imposto sobre heranças. Além da simplificação tributária e do tratamento à questão federativa (essas duas últimas medidas com menor potencial distributivo, mas importantes do ponto de vista da arrecadação, do ambiente de negócios e do financiamento de políticas públicas por estados e municípios). Uma reforma que distribua melhor o pagamento de impostos entre os diversos estratos sociais, sem a necessidade de maiores ampliações na atual carga tributária nacional.


Mas também é verdade que a atual estrutura da despesa pública, com a ampliação inercial dos gastos por vinculações e indexações orçamentárias, contribui para a formação de um quadro de grave desarranjo fiscal e um severo déficit público. Se é bem verdade que, por sua natureza, a capacidade de endividamento do Estado não é tão restrita quanto a das famílias (ao contrário do que argumenta certo fanatismo ortodoxo), também é fato que esse endividamento tem um limite, a partir do qual as contas públicas se deterioram a ponto de desencadear um processo inflacionário, por um lado (e os mais pobres são os que mais sofrem nesse processo), e, por outro, de reduzir a capacidade de investimento e de indução da economia por parte do Estado (o que resulta em recessão, desemprego e cortes no financiamento de políticas públicas, penalizando também, sobretudo, a classe trabalhadora). Uma reforma da previdência que estabeleça uma idade mínima razoável para a aposentadoria, a desvinculação entre o salário mínimo e os benefícios previdenciários, e o desengessamento do orçamento público, com a redução dos gastos de custeio, são medidas inevitáveis para o reequilíbrio das contas públicas e a ampliação da capacidade de investimento do Estado.


O problema hoje é que começa a se desenhar um grande acordo em torno das reformas do lado da despesa pública, enquanto se deixa de lado o debate sobre a reforma tributária progressiva (ou seja, a distribuição mais igualitária do lado da receita), com maior potencial distributivo. E o Governo, ao fazer seu ajuste fiscal apenas sobre a classe média e a classe trabalhadora, sem tocar nos ganhos dos mais ricos, acaba contribuindo decisivamente para esse desequilíbrio de forças. O mínimo que se poderia esperar de um governo minimamente de esquerda era que encaminhasse os dois debates lado a lado neste momento. Mas de um Governo de direita, como o da Dilma, não se deve esperar isso.



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